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Paradoxo dos Treinamentos: Por Que Sabemos o Que Fazer, Mas Continuamos Não Fazendo

Esse é o Paradoxo dos Treinamentos — o abismo entre o que as pessoas aprendem e o que realmente colocam em prática. E esse abismo consome não apenas recursos financeiros, mas também energia, tempo e, talvez o mais grave, a confiança das pessoas na eficácia do próprio aprendizado.     Por que isso acontece?   E, mais importante, como mudar esse ciclo que drena potencial humano e cultural? 

A Sala de Treinamento Cheia e o Escritório Vazio 


A cena é conhecida e, para muitos, dolorosamente familiar. Uma sala de treinamento vibrante, cheia de energia. Um facilitador carismático, conteúdo de ponta, discussões acaloradas, insights brilhantes. As pessoas anotam com entusiasmo, compartilham ideias, se inspiram mutuamente. Há uma sensação palpável de mudança. De que, dessa vez, algo vai ser diferente. 


Duas semanas depois, a magia evapora. 


As velhas rotinas retomam seu lugar. A comunicação continua truncada, as lideranças voltam ao modo “foco em resultado”, os e-mails se acumulam, o tempo escorre pelos dedos. A promessa interna — “vou mudar” — dá lugar à realidade do dia a dia: “não deu tempo”. O conhecimento ficou. O comportamento, não. 


Esse é o Paradoxo dos Treinamentos — o abismo entre o que as pessoas aprendem e o que realmente colocam em prática. E esse abismo consome não apenas recursos financeiros, mas também energia, tempo e, talvez o mais grave, a confiança das pessoas na eficácia do próprio aprendizado. 


Por que isso acontece? 

E, mais importante, como mudar esse ciclo que drena potencial humano e cultural? 


O Engano Coletivo: Quando Saber Não é o Mesmo Que Ser Capaz 


A raiz do problema está em uma crença antiga, quase cultural: a de que compreender algo é suficiente para mudar. Desde a infância, somos avaliados por quanto sabemos, não por quanto aplicamos. Tiramos boas notas, acumulamos diplomas — e carregamos a ideia de que aprender é acumular informação. 


Mas o cérebro humano não foi projetado para mudar com base apenas em conhecimento. Ele opera em dois sistemas distintos


  • O sistema explícito, da mente racional. Ele armazena fatos, conceitos e teorias. É o “o que”. 


  • O sistema implícito, dos hábitos. Ele guarda automatismos, respostas emocionais e padrões. É o “como”. 


Treinamentos tradicionais falam com o cérebro racional — e são ótimos nisso. Mas o comportamento é comandado, na maior parte do tempo, pelo cérebro emocional e automático. Informar alguém sobre a importância da escuta ativa, por exemplo, não apaga anos de prática de interrupções. É como tentar plantar uma semente sobre uma trilha já pisoteada na floresta: o solo está compactado demais para permitir que algo novo floresça. 


A verdadeira mudança não nasce do saber, mas do refazer conexões neurais. E isso exige tempo, prática e ambiente. 


As Forças Invisíveis Que Mantêm Tudo Igual 


Mesmo com a melhor das intenções, existem três forças silenciosas que sabotam a transformação: o ambiente, o imediatismo e a própria mente humana. 


1. O Ambiente é Mais Forte Que a Vontade 


De nada adianta ensinar colaboração a um time que é recompensado apenas por resultados individuais. De nada adianta pregar inovação se o erro é punido. De nada adianta incentivar escuta ativa se a liderança não dá o exemplo. 


O ambiente é o palco onde o comportamento acontece, e ele pode ser um aliado ou um vilão. Mudar dentro de um contexto que reforça o velho é como tentar nadar contra uma correnteza. Enquanto a cultura, as políticas e os sistemas permanecerem inalterados, o comportamento antigo continuará sendo o caminho de menor resistência. 


Um líder pode até remar com força, mas, se o rio flui na direção oposta, ele acabará voltando para onde estava. 


Leia também: O Fim dos Treinamentos Tradicionais: Por que T&D Precisa Virar Experiência e Não Evento — e entenda por que o modelo clássico de treinamento como evento isolado está morrendo, e como a experiência contínua se tornou o verdadeiro diferencial estratégico em alta performance e cultura de aprendizado. 


2. A Tirania do Imediato 


Vivemos em uma cultura de velocidade. Queremos resultados rápidos, métricas instantâneas, soluções “one shot”. Mas o cérebro não muda na velocidade de um slide deck. Mudar comportamento é como construir músculo: exige repetição, orientação e reforço constante. 


Sem prática deliberada e feedback contínuo, o aprendizado evapora. A famosa “Curva do Esquecimento” de Ebbinghaus mostra que até 70% do que é aprendido se perde em 24 horas se não houver aplicação. O que sobra, depois de uma semana, é apenas uma lembrança vaga — incapaz de desafiar o poder dos hábitos antigos. 


3. Os Sabotadores Internos 


Mesmo quando o ambiente é favorável e há espaço para praticar, o cérebro ainda resiste. Ele é programado para economizar energia — e mudar dá trabalho. Dois vieses cognitivos são especialmente traiçoeiros nesse processo: 


  • O Viés do Status Quo: a tendência a preferir o que é conhecido, mesmo que ineficiente. 


  • O Viés da Confirmação: o impulso de buscar apenas informações que validem nossas crenças e ignorar as que as desafiam. 


Esses mecanismos de autoproteção fazem com que mudanças sejam percebidas como ameaças, não oportunidades. É o que explica por que tantas pessoas voltam aos antigos padrões — não por falta de vontade, mas porque o cérebro emocional, instintivamente, busca segurança. 

 

A Neurociência da Mudança: Como o Cérebro Cria (e Rompe) Hábitos 


A mudança de comportamento é, na essência, um processo biológico. Cada ação que repetimos fortalece conexões entre neurônios — as sinapses. Com o tempo, essas conexões são “mielinizadas”, tornando-se mais rápidas e automáticas. É assim que se forma um hábito. 


Para mudar, portanto, é preciso reconstruir caminhos neurais. Três etapas são fundamentais: 


  1. Conscientizar o automático: perceber o comportamento antigo e suas causas. 


  2. Enfraquecer o padrão antigo: reduzir sua frequência, evitando reforços. 


  3. Reforçar o novo comportamento: praticar até que se torne natural. 


Não é força de vontade — é neuroplasticidade. E, sem o suporte certo, o cérebro sempre escolherá o caminho conhecido, mais rápido e menos exigente. 


Os Bastidores da Neuroplasticidade: O Que Acontece Dentro da Cabeça Quando Mudamos


Por trás de cada nova competência desenvolvida há uma intensa dança química e elétrica no cérebro. Toda vez que aprendemos algo novo, os neurônios disparam em conjunto — e, com a repetição, começam a se conectar de forma mais eficiente. É o princípio da famosa frase do neurocientista Donald Hebb: 


“Neurônios que disparam juntos, conectam-se juntos.” 


Esse processo, chamado potenciação de longo prazo, é a base física da aprendizagem. Mas há um detalhe crucial: as conexões antigas não desaparecem de imediato. Enquanto o novo circuito é construído, o antigo ainda está lá, disponível — e tende a se reativar sob estresse, pressão ou fadiga. É por isso que, em situações de conflito, mesmo um líder treinado em comunicação empática pode voltar a reagir de forma defensiva. O cérebro, nesse momento, não “esqueceu” o que aprendeu, apenas recorreu ao caminho mais rápido, mais antigo, mais seguro. 


Mudar, portanto, é menos sobre “apagar o velho” e mais sobre tornar o novo mais acessível e recompensador. A dopamina, o neurotransmissor do prazer e da motivação, desempenha papel central nisso. Quando o cérebro associa o novo comportamento a uma sensação positiva — reconhecimento, alívio, orgulho — ele tende a repeti-lo. Daí a importância de reforços emocionais e feedbacks positivos nas jornadas de aprendizagem corporativa: eles literalmente moldam o cérebro em direção ao novo padrão. (Leia:  Como implementar um Programa de Feedback contínuo para melhorar a produtividade e satisfação dos membros da sua equipe)  


Outro fator-chave é o sono. É durante as fases de sono profundo que o cérebro “consolida” as novas conexões formadas durante o dia. Sem descanso adequado, o aprendizado não se fixa. Ou seja, mudar exige mais do que boas intenções — exige também ritmo, repouso e repetição


Esse entendimento é revolucionário para RH e T&D. Significa que programas de desenvolvimento precisam respeitar o tempo biológico da aprendizagem. A prática espaçada, os intervalos de reflexão e o reforço positivo não são “luxos” pedagógicos — são mecanismos neurobiológicos de consolidação da mudança. Ignorar isso é insistir em ensinar o cérebro de um jeito que ele simplesmente não aprende. 


Como Romper o Paradoxo: De Eventos Isolados a Jornadas de Transformação 


Superar o paradoxo dos treinamentos exige uma mudança profunda na forma como enxergamos o desenvolvimento humano. Não se trata mais de ministrar cursos, mas de orquestrar jornadas que conduzam pessoas à verdadeira transformação. 


1. Do Evento à Jornada Contínua 


O treinamento não é o fim — é o início. Um evento de oito horas deve servir apenas como ignição para uma jornada que se estenda por semanas ou meses. Os elementos-chave dessa jornada são: 


  • Pré-trabalho significativo: diagnósticos, reflexões e metas pessoais. 

  • Sessões curtas e recorrentes: revisitar conceitos, aplicar no dia a dia e ajustar a rota. 

  • Micro-ações práticas: pequenas mudanças comportamentais específicas e mensuráveis. 

  • Comunidades de prática: grupos de apoio e troca, que criam pertencimento e accountability. 


Em vez de um treinamento que ensina “comunicação eficaz”, imagine uma jornada onde o participante, a cada semana, experimenta uma nova microação — perguntar antes de opinar, reformular feedbacks, escutar sem interromper. O aprendizado deixa de ser teórico e passa a ser comportamental. 


2. O Ambiente Como Aliado 


A mudança individual não sobrevive em um contexto que reforça o oposto. É preciso engenheirar o ambiente para apoiar o novo comportamento: 


  • Líderes como modelos: eles são os embaixadores da cultura. 

  • Sistemas de recompensa alinhados: o que é valorizado e reconhecido se repete. 

  • Espaços seguros de experimentação: ambientes onde o erro é permitido e a reflexão é incentivada. 


Transformar cultura é mexer em incentivos, símbolos e rotinas — não em slogans. 


3. Medir o Que Realmente Importa 


A maioria das empresas ainda mede o sucesso de treinamentos com base em formulários de satisfação. Mas o fato de um participante “ter gostado” diz pouco sobre se ele realmente mudou. Na pesquisa Panorama de Treinamento no Brasil 2019/2020, realizada pela ABTD, cerca de 68% das empresas ainda utilizam apenas indicadores de reação (ou seja, perguntam se o colaborador “gostou” do treinamento), enquanto apenas 7% medem de fato os resultados. 

Métricas eficazes vão além do entretenimento e focam em comportamentos observáveis e impacto real. 

 

Conclusão: Do Negócio da Informação ao Negócio da Mudança 


Superar o paradoxo dos treinamentos é, na verdade, uma mudança de identidade. Não estamos mais falando sobre ensinar conceitos, mas sobre construir ambientes, ritmos, mecanismos e práticas que transformam comportamento no mundo real. Organizações que compreendem isso saem do ciclo do entretenimento pedagógico e assumem a responsabilidade de criar experiências que, de fato, alterem o que as pessoas fazem — não apenas o que elas sabem.


Porque, no fim, desenvolvimento não é evento; é processo. Não é volume de conteúdo; é qualidade de prática. Não é aplauso; é aplicação. E cultura não se declara. Se constrói, comportamento por comportamento, decisão por decisão, hábito por hábito. 


E é nesse novo contexto — o contexto da mudança que sustenta resultado — que nasce o Programa de Formação de Mentores da Better: uma jornada desenhada para desenvolver mentores capazes de sustentar essa transformação no longo prazo. Uma formação que prepara profissionais para atuarem como agentes de cultura, fortalecendo o desenvolvimento contínuo, o senso de propósito e a consistência na construção de comportamentos que realmente sustentam performance. 


Porque o futuro do desenvolvimento não estará nas empresas que treinam mais. Mas nas que transformam melhor. 

 

 

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