O ROI Invisível: Por Que os Treinamentos São Vistos Como Custo e Não Como Investimento (e Como Mudar Isso)
- Better Blog

- 15 de set.
- 6 min de leitura

Introdução: O Paradoxo do Investimento Invisível
No ambiente corporativo atual, em que volatilidade, pressão por resultados e guerra por talentos são constantes, um paradoxo persiste: os treinamentos corporativos — motores de inovação e adaptação — ainda são tratados como custo a ser cortado, e não como investimento a ser cultivado.
Esse viés de curto prazo não é apenas um erro contábil. É uma falha de percepção estratégica. Quando a pressão por eficiência aumenta, T&D costuma ser o primeiro orçamento reduzido. Só que essa visão míope ignora uma verdade fundamental: o maior ativo de uma organização não está no maquinário nem nos sistemas de última geração, mas na capacidade de aprendizado, colaboração e execução do seu capital humano.
O retorno desse ativo é real, mas raramente capturado. Ele aparece de forma indireta, difusa e, muitas vezes, tardia. É o que chamamos de ROI invisível, um valor que existe, mas permanece oculto porque não sabemos como medir, traduzir e comunicar. E, mais crucial ainda, porque não entendemos quem é responsável por torná-lo visível.
Este artigo mostra:
Porque treinamentos ainda são vistos como custo.
Como medir ROI de T&D de forma estratégica.
Quem deve agir e quais ações concretas tornam visível o impacto do aprendizado nos resultados de negócio.
Parte 1 — A Anatomia de um Equívoco: Por Que Treinamento é Visto Como Custo
1.1 A tirania do curto prazo
Os gestores são cobrados por entregas imediatas. Nesse cenário, programas de capacitação cujo impacto pleno pode levar meses ou até anos, são vistos como interrupções caras na “produção real”. O custo é imediato: horas afastadas do trabalho, honorários de facilitadores, diárias de viagem. O retorno, em contraste, é futuro e difícil de mensurar. Resultado: prevalece a lógica do “melhor cortar agora do que esperar o benefício depois”.
Essa mentalidade é perigosa. Empresas que negligenciam o investimento em pessoas podem até reduzir despesas no curto prazo, mas comprometem sua capacidade de se adaptar no médio e longo prazo.
Um exemplo claro vem do varejo. Em momentos de crise, algumas redes reduzem treinamentos de atendimento para cortar custos. Outras, como o Magazine Luiza, fazem o contrário: reforçam a capacitação de vendedores e líderes de loja, justamente para sustentar diferenciação na experiência do cliente. Quem investe em pessoas durante a turbulência costuma sair mais forte.
1.2 O peso da contabilidade tradicional
Pelas regras contábeis (IFRS, GAAP), treinamentos são lançados como despesa operacional no período. Já máquinas, softwares e prédios são capitalizados como ativos e depreciados ao longo dos anos. O resultado? O balanço envia uma mensagem subliminar: pessoas são custo, ativos físicos são investimento. Essa lógica reforça, ano após ano, a ideia de que capacitação é gasto, e não patrimônio estratégico.
Algumas empresas vêm tentando mudar essa lógica. A Accenture, por exemplo, classifica internamente seus programas de T&D como investimento estratégico em capital humano, mesmo que contábil e fiscalmente isso não se reflita. Essa mudança de linguagem já influencia a forma como líderes decidem e priorizam.
1.3 Métricas superficiais: o perigo do “happy sheet”
Na tentativa de justificar o investimento, muitas empresas recorrem a indicadores fáceis: horas de treinamento, número de participantes, satisfação dos alunos. Embora úteis para medir esforço, esses dados não explicam se houve aprendizagem real nem se o negócio foi impactado. É como avaliar a performance de um carro pela cor do painel e não pela autonomia de combustível.
A pesquisa Panorama de Treinamento no Brasil 2019/2020 (ABTD) mostra: 68% das organizações medem indicadores de reação, mas apenas 7% medem resultados efetivos. Esse dado revela a desconexão entre o que T&D avalia e o que a alta liderança espera ver.
1.4 O desafio de provar impacto
O problema mais técnico é a atribuição de resultados. Como comprovar que o aumento de 10% em vendas foi resultado do treinamento em negociação e não de uma nova campanha de marketing? Como isolar o impacto de um programa de liderança em meio a mudanças de processos e tecnologia? Esse é o chamado “problema do contrafactual”: o que teria acontecido se o treinamento não tivesse existido? Diante da complexidade, muitos gestores preferem nem tentar medir. Resultado: T&D fica preso no território do intangível.
Mas ignorar o desafio não o elimina. Pelo contrário: fortalece a narrativa de que treinamento é custo sem retorno.
Parte 2 — De Custo a Impacto: A Estrutura para Medir o ROI do Treinamento
Se a raiz do problema está na dificuldade de medir, a solução passa por adotar uma estrutura de avaliação robusta. O Modelo de Kirkpatrick, ampliado por Jack Phillips com a inclusão do ROI, é uma das abordagens mais eficazes para transformar dados dispersos em valor estratégico.
Nível 1: Reação - Pergunta básica: os participantes acharam o conteúdo útil e relevante? É o mínimo necessário, mas insuficiente.
Nível 2: Aprendizagem - Aqui entra a evidência concreta: o que mudou em termos de conhecimento e habilidade? Pré e pós-testes, simulações e avaliações práticas são recursos-chave.
Nível 3: Comportamento - O verdadeiro teste: o aprendizado virou prática no trabalho? Essa análise exige observação, entrevistas com gestores e até feedback 360°. (Leia: Como implementar um Programa de Feedback contínuo para melhorar a produtividade e satisfação dos membros da sua equipe)
Nível 4: Resultados - O impacto estratégico: o que mudou nos indicadores de negócio? (Produtividade, retrabalho, satisfação do cliente, turnover).
Nível 5: ROI - A tradução final em números. Fórmula: ROI (%) = (Benefícios líquidos do programa / Custo do programa) x 100. Esse cálculo exige rigor, mas é justamente o que transforma T&D de centro de custo em motor de valor.
Parte 3 — Do Discurso à Ação: Quem é Responsável por Tornar o Investimento Visível?
Desvendar o ROI invisível não é uma missão exclusiva do RH. É um esforço coletivo que exige mudanças concretas de comportamento de todos os agentes da organização.
3.1 A Alta Liderança (C-Level): Os Arquitetos da Cultura
A mudança começa no topo. CEOs, CFOs e diretores devem:
Mudar a Narrativa Orçamentária: Parar de chamar o orçamento de T&D de "custo" e referir-se a ele como "investimento em capital humano".
Exigir Métricas de Impacto: Em vez de "Quantas pessoas treinamos?", perguntar "Como esse treinamento impactou nosso market share?".
Participar e Patrocinar: Participar simbolicamente de programas de liderança, mostrando que o aprendizado é valorizado em todos os níveis.
Recompensar o Aprendizado Aplicado: Incluir o desenvolvimento de competências nas avaliações de desempenho e critérios de bônus.
3.2 Os Gestores de Linha: Os Elos Cruciais da Aplicação
São os gestores que fecham ou abrem a porta para a aplicação do conhecimento.
Co-criar as Necessidades: Antes do treinamento, ajudar a identificar as reais lacunas de skills da sua equipe.
Pré e Pós-Briefing: Antes, explicar por que o colaborador está indo. Depois, definir um plano de aplicação das novas habilidades.
Criar Espaço Seguro para a Prática: Permitir que a equipe experimente e erre sem medo de represálias.
Ser um Modelo: Participar de programas de desenvolvimento e demonstrar as competências que espera de sua equipe.
3.3 RH & T&D: Os Estrategistas e Tradutores de Valor
Antes de mergulharmos nas estratégias práticas, vale conferir nosso artigo: Por que os treinamentos corporativos não dão resultado e como mudar isso. Ele complementa muito bem as práticas que apresentaremos a seguir.
A área de T&D precisa sair da posição de prestadora de serviços e assumir o papel de consultora interna.
Adotar a mentalidade de business partner: Começar com os desafios estratégicos: “Qual é o maior problema que precisamos resolver este ano?”.
Vender Soluções, não Cursos: Abordar as áreas com propostas claras de valor. Ex: "Temos uma solução para reduzir o turnover em 15%."
Facilitar a Vida do Gestor: Fornecer kits de ferramentas (checklists, modelos de reunião) para o acompanhamento pós-treinamento.
Comunicar com Data Storytelling: Apresentar casos de sucesso com dados concretos que liguem a intervenção ao resultado de negócio.
Estabelecer linhas de base e medir além do óbvio: Registrar indicadores antes de qualquer intervenção e usar grupos de controle para isolar o impacto.
3.4 O Colaborador: O Protagonista do Próprio Desenvolvimento
O profissional não pode ser um passageiro passivo.
Assumir a Propriedade: Ir além do treinamento obrigatório, buscando aprendizados ativamente.
Aplicar com Intenção: Voltar do treinamento com um plano pessoal de como aplicar pelo menos uma nova ideia.
Dar Feedback Honesto: Comunicar à área de T&D e ao seu gestor as barreiras encontradas para aplicar o conhecimento.
Compartilhar o Conhecimento: Socializar insights e melhores práticas com colegas, multiplicando o retorno do investimento.
Conclusão — De “Centro de Custo” a Vantagem Competitiva Sustentável
O ROI do treinamento só é invisível porque não está sendo iluminado pelas métricas certas e pelas pessoas certas. O que hoje aparece apenas como planilha de gastos pode, na verdade, ser a alavanca que separa empresas que sobrevivem das que lideram.
A questão não é se investir em pessoas traz retorno, mas como mensurar, comunicar e transformar esse retorno em vantagem competitiva. Isso só acontece quando a Alta Liderança define o tom, os Gestores garantem a aplicação, o RH/T&D traduz o valor em dados e histórias, e os Colaboradores assumem a direção do próprio crescimento.
Empresas que enxergam T&D como despesa acabam presas em ciclos de estagnação. Já aquelas que tratam o aprendizado como um investimento coletivo colhem efeitos multiplicadores: colaboradores mais preparados, líderes mais capazes e equipes mais inovadoras.
Em última análise, o ROI invisível é o reflexo de uma escolha estratégica: tratar pessoas como despesa ou reconhecê-las como o maior ativo. As empresas que fizerem a segunda escolha serão aquelas que, no futuro, olharão para trás e verão que apostar no aprendizado não foi um custo, foi o melhor investimento que já fizeram.









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